terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

A tradição - Gustavo Barroso

Tradição é uma coisa; saudosismo, outra. A tradição vivifica; o saudosismo mata. A tradição é um olhar que se deita para trás, a fim de buscar inspiração no que os nossos maiores fizeram de grande e imitá-los ou superá-los. O saudosismo é o olhar condenado da mulher de Lot, que transforma em estátua de sal. A tradição é um impulso que vem do fundo das idades mortas dado pelas grandes ações dos que permanecem vivos no nosso culto patriótico. O saudosismo é um perfume de flores fanadas que envenena e enerva. A tradição educa. O saudosismo esteriliza.
Amar as tradições da terra, da raça, dos heróis é buscar nos exemplos do passado a fé construtiva do futuro. Mergulhar dentro delas para carpir a pequenez do presente diante de sua grandeza é confessar a própria impotência e a própria incapacidade.
Da tradição nos vêm gritos de incitamento. Do saudosismo nos vêm lamentos e jeremiadas. Uma nação se constrói com aqueles gritos e se perde com essas lamentações.
Por isso, o Integralismo é tão tradicionalista quanto é antissaudosista.

(BARROSO, Gustavo. Espírito do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira S/A, 1936, pp. 263-264).

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Cruzado sou - poema de António Sardinha

Cruzado sou


Cruzado sou. Envergo uma couraça,

Jurei meus votos num missal aberto.

– eu me persigno em nome do Encoberto.



Alto, bem alto, quando a lua passa,

a lua me dirá se o avisto perto.

Eu me persigno – ou seja noite baça,

ou rompa o dia, com o sol desperto.



Meu S. Cristóvão, de menino ao ombro,

ó Portugal, – eu me comovo e assombro –

nas tuas mãos ergueste o mundo inteiro.



Entrei por ti na religião da Esperança,

Pois na alvorada que de além avança,

vem tu vestir-me o arnez de cavaleiro!



António Sardinha, in Pequena Casa Lusitana